Território Sagrado

Rio Negro: símbolo de vitalidade do Amazonas e abrigo de mitos ancestrais.

Estética, função, narrativas ancestrais atadas à trama, calor do feito à mão… e aura. Os vasos, cestos e luminárias que resultam da fusão do design com o artesanato – frutos do Projeto Brasil Original Amazonas – levam na essência as crenças e a espiritualidade dos artesãos. Carregam em si a autorização dos espíritos da floresta na colheita da fibra vegetal utilizada para dar forma às criações também inspiradas no habitat sagrado. Em cada objeto reside a ancestralidade e os vínculos místicos da “Gente Peixe”. Antepassados que segundo relatos orais das etnias de fala tukano e da tribo Tariana, deixaram o Lago de Leite – ventre materno de todos os povos – e na “cobra-canoa” seguiram o curso dos rios Amazonas e Negro até ancorar na região da nova humanidade.

As cidades de São Gabriel da Cachoeira e Barcelos – municípios amazonenses que abrigam comunidades indígenas e ribeirinhas do Projeto Brasil Original – estão nesse eixo sacro. Nada mais pisar o chão para sentir a energia que deles emana e a força proveniente da natureza. Céu, terra e água detêm uma espécie de poder supremo e nutrem a vida ao redor. Demarcam ciclos precisos para um universo alinhado a um tempo e razão de existir.  As conexões com o sagrado estão por toda parte. Dão sentido às normas, comportamentos e ritos dos grupos artesãos enraizados em territórios permeados de mistérios. Lugares de fertilidade onde a semente do nosso trabalho coletivo brota no âmago desse mundo particular.

Da fibra da piaçava, na inspiração que exalta o culto à natureza e na palma das mãos dos artesãos de Barcelos nasce a Coleção Buriti. Imponente palmeira da Amazônia, o buritizeiro enaltece as lendas e as múltiplas benesses em seu codinome de “Árvore da Vida”. Os indígenas Tapuia – que também margeiam a região do Alto Rio Negro –  creditam sua origem a um presente de Tupã, entidade sagrada simbolizada pelo trovão. A narrativa tribal resistente ao tempo explica que no alto da copa as folhas centrais de matiz verde esmeralda compõem uma coroa que adorna e protege a floresta. Reclama reverência e respeito pelo porte majestoso e a generosidade de seus frutos. Cachos que pendem do tronco robusto e alimentam a criação rica em detalhes na tessitura minuciosa que atravessa gerações. Como não ser sagrada?

Na imersão desse fazer artesanal, no convívio com pessoas únicas, na troca de experiências e na sutileza das infinitas histórias contadas pelos artesãos, alargo minha percepção e entendimento a despeito da espiritualidade e convicções. Os simbolismos entrelaçados aos pequenos gestos somam significados grandiosos. Amplio o olhar para os ritos que envolvem o feito à mão e aprendo a respeitá-los. A Mãe Terra é eixo, sentido, direção. É nela e para ela que as coisas orbitam na busca incessante do equilíbrio. O solo, o ar, os rios e as florestas guardam as divindades que guiam a jornada cotidiana. E tudo o que nasce, cresce e floresce nesse mundo das águas é dádiva e consentimento. Presente de outra dimensão.